quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

As tentativas de simplificação resultam geralmente em mim no mero empurrar do nó do cérebro para os lados da garganta.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

quem julgue suster os poderes do tempo


que se abstenha

pelo menos por agora

pelo menos no enquanto


há chuva que não molha




e quem se abstém que se espante

isto não é só matemática

não é só solfejo

ou mera questão de traquejo


nenhum alfabeto basta

há que abrir o "e" ao sortilégio



assumir plenamente o privilégio de estar só




infinitamente só




e por isso saber-me ao teu lado

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Novo princípio de Reciprocidade:

Concordas?

Não. Com fio.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Língua de ferro, palavra de vento.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Pára.
Escuta.
Olha.


Por favor, vê.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

(quase todos os direitos reservados ao lado esquerdo do peito)

...


...


...


...



Foi uma raposa do século XX
Uma lady na mesa
Uma devota na ópera
Um fantasma na sacristia
Juncos no fundo do rio
E eu rio, senhores,
Eu rio,
É dos calafrios.
Calados os frios.
Estancados
Pelos copos entornados
Corpos escancarados
Torrentes de anis
Anaïs
Uma fogueira, numa clareira
É uma lareira
Freira, sim, e com tormento
Tudo pelo alento, pelo castro
Em suma,
Pelo mastro
A irromper pelo convento
Matreira, sim, também, sempre,
O diabo a quanto obriga
A mulher que é a serpente
Auxilia,
Arrepia
Anemia.
Naná chora as camélias
Desconversam-se as ofélias
Algo morno,
Algo em torno,
A paralisia do masculino na catástrofe verborreica
Todas unidas na hecatombe emocional,
Transverso sensorial,
Amor ocasional.
Tanto como,
Entorpecido o caminho para casa,
Encontrar um sapato de cristal na calçada
Que esfarelamos como a memória pelo esquecimento
Que esfarelamos com a memória
Pelo (para o) esquecimento
Mágoas leva-as o vento,
Ou a estrada,
Ou a água.
Fia, Sophia,
Que o teu sonho ainda cá mora
Teresas vão e voltam e te aguardam à nossa porta
É que certos arremessos não arredam de alma torta
Nem náusea, nem peste, nem jaula
Quanto falta para acabar a aula?
Ofélia é morta.
Penélope já só suspira de tédio,
Safo tirou medicina,
É doutora em priapismo
E Medeia enveredou pelos caminhos do stand-up
Paga as contas e os vícios e os sapatos
Tudo, para compensar os gastos
Joana empunha o arco
Vanessa corre pelo asfalto
Em busca talvez do amor de Alcoforado
Britney convertida aos despachos da alcova
Salve-se, Sade se puder,
Salve-nos Sade, se conseguir
De um amor que nos querem prender
assim que suspiramos mais alto
E Nina chora e chora e chora
Chora, Nina, pelos estragos
Que homem te soube criar
Mas não te soube suster.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

a mim, é sempre o piano que dói


nos meus braços o correr do preto no branco
ritmo marcado a força de dedos lassos

chamemos-lhe um brilho baço

geometria do estilhaço
em sebenta colorida


e o tal cansaço
contraponto de uma síntese mais do que sabida

atordoado
desafinado

e ainda que por vezes descalço

(sempre o desejo do pé descalço)

gelado

enregelado





a voz
o escape



da poluição entranhada



(bílis desclausurada)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

quão longe te poderá levar o naufrágio?

como estamos de força de braços?





há certezas que pertencem apenas ao fundo da espinha
e certas fés só sobrevivem bem calcadas no cimento

no frio

e no cinzento





peço-te apenas que ao estalar a tempestade não largues os saltos vermelhos

terça-feira, 17 de novembro de 2009

petição ao piano sem cauda

a determinada altura, dir-se-ia que chorava
a guitarra, pois

mas depois, e de repente

a epifania


são cordas, senhor, são cordas



serão sempre cordas, meu amor

as minhas
as tuas
e o contorno das deles

das cordas se farão correntes
amarras e sobreviventes


tenho a alma congelada

acordei-me a uma voz dormente

encurralei-me no contratempo
e na reverberação artificial do cantar no sítio errado



é o chão que a voz tem que segurar, menina, nunca o seu destino



e agora só mais umas redundâncias vaporosas a anteceder a imagem sonora
a verdadeira imagem sonora, a origem da tragédia proscrita


um corredor

um enorme corredor escuro para alojar o teu desconsolo



e algumas janelas para escorraçar o tédio

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

sofro de todos os males.


























(possuo todas as curas.)

sábado, 14 de novembro de 2009

infiltrações desejadas

espécie de matriz enciclopédica


da mãe enclausurada
tremente

escapemos por favor ao cadavérica
esta sede vai bem mais fundo que o inferno
e a rima só desaustina as braçadas para a outra margem

besunta-me lá de vão conhecimento


e partirei simplesmente

isso que a cabeça fala já o corpo pressente
esse esfaimado devorado
o dono da febre e do telúrio

sensual esfaqueador de asas


é conceito por demais vazio



e esse azul será apenas teu

metal meu será sempre mais vermelho
mais diluído

sempre aguerrido

e sempre desgarrado



e consumado o destino ainda lhe sobra o fôlego para cobrir o sol com o teu dó

mas o que soçobra é o acordar do mi
num acorde laranja vivo e denso
ouro fiel e manso pautado pelos dedos mais velhos do mundo


e nas tuas mãos
o sangue

o meu sangue ainda quente




afligem-me ainda e apenas essas andorinhas esventradas por um outono sonolento

essas notas alheias sopradas ao vento

e umas quantas rimas inusitadas

terça-feira, 10 de novembro de 2009

as porcelanas.
as salamandras.
as cortinas.

rezará porventura a história dos crocodilos?
ou dos devoradores de vidros?
dos dós sustenidos?
dos sis contraídos?


quem te fez acreditar que só um final era possível?
que o aí e o aqui não podiam existir a um tempo certo?



mesmo sabendo quem te criou

o que falta saber
o que te falta mesmo saber


a ré
do lá

(e um fá para mi a saber a limão)


será que é preciso ver
para deixar de crer?


e do ouvir?
e do haver?


e do largar?

cuidar.



cuidar.

sábado, 31 de outubro de 2009

Anita, a fiel marinheira.



(n.b.: "marinheira" dá erro. ou então ser-se sublinhada a vermelho é coisa boa.)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Eu sono tenho, vontade de dormir é que me falta.







É também mais ou menos por isso que uso botas quando era suposto andar de sandálias.


E que ando descalça quando devia andar de galochas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

cimentar

concretizar

descarnar



(é em triângulos que costumo dobrar a minha linha)



estico o olhar que me resta para longe das sombras
e das caixinhas de veludo azul

cada uma com a sua chave
perfeita
dourada
e cheia de rebites

como se o ouro fosse porventura calar o nevoeiro


ou aliviar o fardo da melodia


todos esses extremíssimos agudos
são só tombos na gravidade, apertos no estômago e dentes de lobo
são a carne que com a carne trincha a carne

é bem mais grave a velada gravidez da linha recta


do baixo sopro a vibrar na madeira que reveste o teu coração de pedra


e o desejo cinzento das palavras em granito

grave, denso, enevoado


pontuando a negro as vírgulas e as reticências

solares nódoas negras

fundas crateras



e magníficos rasgões de luz

sábado, 17 de outubro de 2009

desejo de mão descalça em ombro nu

(ou mais um arremesso por falta de caneta)



condensar

expropriar

diluir




lembro-me de o calo existir desde a queda do muro
um indicador de força constantemente a pisar o irmão do meio


isto, quando as ideias não eram vapores
e eu ainda subia às árvores


agora o encantamento faz-se paralisia e a ânsia sonolência
os calos pertencem aos calcanhares



a maior parte das vezes, pelo menos

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sonhei que um tango me batia à porta e acordei a morrer de sede.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

e se atrás da rima se encontrar o poema?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

não me julgues por um mau verso, pode ser que ele tombe e me deixe de pé.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

para o eterno não há cura

vem matar-me o cinismo

por favor
vem queimar-me as entranhas e profanar a poesia:
é assim que ela se alimenta, morrendo de cada vez

vem sufocar-me a rima:
pode ser que o que se esconde atrás dela surja assim sem as palavras

e vem por favor riscar-me da pele o contrato com este tempo:
dá-me a sede, que o meu corpo quer incêndio
e está-se nas tintas para a cicatriz

é lembrando tudo que o retorno te assiste

é querendo tudo

a falha, a dobra, o precipício
o risco

sobretudo a vertigem





vem por favor lembrar-me da vertigem:
não me esqueci ainda que é ela o signo da altura

domingo, 20 de setembro de 2009

adeiar

às vezes as minhas ideias são um bocado desgrenhadas. sá-carneiro, o mário atento, e não o do atentado, talvez as achasse ruivas. outros haverá que as poderão achar aladas demais, que é como quem diz um pouco chaladas. outros mários as dirão porventura um tanto ou mais cerebrais. a mim a maior parte das noites servem-me bem. confundem-se umas com as outras e revelam sempre novos graus (ou asas de grous). é embaraçando-se que se cruzam para tecer o pano do véu em puzzle, como bordadeiras do próprio pão. são também vorazes parasitas umas das outras. e com isso vivem bem. e eu deitava-me bem com elas.

mas agora ao nascer do dia elas parecem-me simplesmente ideias e aí as ideias parecem-me menos do que ar porque já não servem para respirar e por isso é aí que eu quase desisto e me demoro tanto a levantar. é de manhã que as ideias me doem. e é por isso que as minhas noites nunca querem ir dormir. por saber que um quase, invariavelmente neste caso, se transformará sempre num devir e que é isto tudo, cada linha, cada letra, cada sopro, apenas mais um pequeno encadear num pequeno encadear a que se chamam as ideias, e que essas para mais não servem do que para o adiar.



respira, ana, respira. faz-te o favor de respirar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Então é assim... fazendo bem as contas, à vida e às nóias e aos apegos e seus contrários: no final da matemática espiritual, importa é saber que há ainda quem espere por nós para começar o concerto.

E nós, público cheio de soberba que só se atrasa por vis motivos, talvez não nos livremos da baba e do ranho se atropelarmos de novo o tempo e não eliminarmos a distância. E nós, que um dia criámos espaços de tempo fora de uma vida que nos pede sempre uma caução, talvez nos safemos, se quando for realmente necessário a memória não nos falhar.


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

conflito puramente virtual:

fazer a história é escrever a história
vs.
escrever a história é fazer a história

e se for contar histórias,
em que é que ficamos? mh?

já extrapolámos os sentidos gramaticais há muito tempo
de outra maneira nunca nos teríamos perdoado
doer, não dói
foi anestesiado para que não fosse perdido

escorraçado

e por erro
remediado

dependurado

o enforcado é só um jogo, crescemos com ele, até lhe estendemos a corda se for preciso
é sempre tudo um sonho, não há mal passível de resultado real
experimenta
crava mais fundo a chaga e sê violento com a corda

amanhã estou cá outra vez
para te lembrar de onde vens

e para onde nunca vais

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ó tu aí de cima, é hoje que me dás um bocadinho de outono?...

domingo, 23 de agosto de 2009

Something stronger than old bias

She will not bail

Will she? Will she not?

Only the room should be a mistake
Only the walls
Never the blood

Steal your present
Not the future still

I check
You fold

Another line. Another sentence, please.

I rest my head upon the table
I will not bail
It will always be your mistake

My gain
The mirror is on the table

I rest my life upon the mirror

I raise
Strangely it sounds better than to rise
Whose word now?
My mistake this time.

Thought you would always be my partner in crime
You bet I was yours

but then
in another town
the dry begin to cry

in the same old another town
in the same old skeletons
in the same almost

almost always far apart
almost always far

There's more than a straight flush to end this
More than mathematics
More than academia


So you have what you asked for


We always get what we ask for

So why won't I ask for you instead?

Why won't you ask me?


we both know a simple clue acts always as the necessary glue
to mend this
to sever this

and it always strikes as a kind of instead
and as a kind instead
numbers adding numbers
and for the time will be

And we both know I am not in the queue for winning a cue in your latest movie
We both know when it's a lie
Feel no shame



Enjoy the game

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

the oister is a cloister and the snail lives alone

de volta à senda do convento

apercebo-me que o segredo está na ostra
e que afinal é isto tudo uma forma diferente do mesmo afrodisíaco
e que esse tão velho sufoco que te angustia é só ar e apenas ar quente

finges-te sempre dormente para que não te levem a mal a inércia
para que não te arrombem a indolência ou te incrustem uma sombra alheia

provarás agora o verdadeiro sentido da apneia

o que te ficará a faltar
no fim de tudo
será o sono e não o ar

e a isso tudo te assiste um treino habituado

e a contornar-te só a própria carapaça
amplificador de um mar de ti
que reverbera o som da terra
sem te chegar a tocar a lama


e se as horas se estenderem em parto

levar sempre presente


que os sonhos não se cobram




sonham-se

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

(Ela levou a palavra a passear.)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

vejo do cais um cais

rasgar rasgar rasgar
deixares-te romper
não corromper
mas irromper

sem mastro
sem castro

principalmente

sem cadastro

sem redoma
nem retoma




e sempre esta tortura da clausura em que te enfias

como se estar nu fosse o mesmo que usar véu
como se o livre fosse o sozinho
ou o sozinho fosse bastardo

da alma dizer por vezes
frangalho
ou coalho

é tudo aliás e no fundo
uma questão de baralho
cartas que só diferem na contracapa


(aparentemente)

há o bluff
o cenário

um espírito em contraplacado
desde cedo habituado
ao jogo


o mais certo é ser apenas medo misturado com cansaço

e a memória de umas asas de zoroastro


até que
tudo pelo que
tudo para que

no dissolver da gramática

certas teias tecidas de longe

algures entre a morfina e o chocolate

se peguem ao teu corpo

tudo por esse finalmente
em que te enrouquece a voz mas já não se ensurdece a lente

quarta-feira, 29 de julho de 2009

...
go tell her that the sky can't shine with rain
...



...little Alice, come down from that tree, come and take a walk with me...
...through this glass I cannot see...





(sometimes I do repeat myself too much)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

E agora, descalça...

Ela nunca tinha percebido que existia uma enorme diferença entre o desistir e o acabar.
E por isso moía, remoía, feita menina mimada que nunca quer largar o cobertor, sempre à espera do frio, para chegar ao quente.
Hoje, ou ontem, ou antes de ontem, porque os dias por vezes esticam-se para além dos seus limites e duram muito mais do que as horas do costume... bem, Hoje, ela sabe o que é começar.

- Começar-Se -


É que isto para trás foi apenas um prefácio.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

a palavra é, sem dúvida, longe. longe para a frente, longe para trás, memória ou desejo, a coisa em si fica sempre longe. um bocadinho mais longe para cima, que isto é tudo imenso e indeterminado, um bocadinho mais longe para baixo, que isto já se viu tudo e esse todo enorme vai ser sempre só um nada ainda mais profundo, até pode ser assim um bocadinho mais longe na diagonal, para dar balanço, e assim um bocadinho mais longe na preguiça, ou um bocadinho mais longe mais depressa, mas um bocadinho mais longe. o longe é o que te fica mais perto.


e o aqui, esse é aquele que sempre na mira nunca te pertence ao agora.

sábado, 11 de julho de 2009

da ideia

calcar
calcar para não fugir
para não voar
não perder

calcar
recalcar
para enterrar
e assim preservar
cimentar
calcar para recriar

empurrar
fazer descer
plantar
esperar


e como cactos
de tempo a tempo
regar

e como pão
deixar levedar
bem coberta

para
com muita paciência
um dia poder simplesmente nascer

terça-feira, 7 de julho de 2009

Erinnerung von Zahlen

Sie sagte, ein anderes Königreich wartet. Der ist der Unterschied zwischen ein und zwei. Das andere, die drei, wird bereits genommen.
Frau K.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

auto-retrato III, versão narrativa

porque ela gosta mesmo é de flirtar com o padeiro, que tem bom timbre e nome francês. e de passar a grande avenida da nossa pequena república a 180 km/h. estranhamente, também gosta quando uma desconhecida, gira por sinal, lhe escreve love no pulso, que ela gosta mesmo muito de ver sempre magro. o que ela gosta é de ouvir só a guitarra, quando soa ao mar. e de dar trincas nos ombros dos amigos que são aquela família longíncua mas sempre perto, enquanto morde uma raivazinha escondida que não sabe muito bem de onde vem, mas que sabe que é tremendamente vermelha, e do lado oposto. o que ela gosta mesmo é de ter saudades da irmã , e de gostar mais de quando ela está por perto. de desafinar, porque algo lhe diz que isso não é o mais fácil. e de esticar a corda, mais do que saltar à corda. o que ela gosta mesmo é de enumerar o que não suporta.
ou então.
o que ela gosta mesmo, acima de tudo, é sentir que chegou a casa.
sempre que ela se põe a descascar o mundo

domingo, 28 de junho de 2009

casa de noz

eeehhh láaa.

um quase vislumbre


dos nós do tempo
do nós
de um tempo
e de outro que se lhe possa
seguir

e de um depois disso
agora só
um talvez incongruente
se da tua própria boca sair

e se a tua alma falhar

principalmente se a tua alma falhar



ao Tempo


o convite ao eterno
para sempre
em vida
insatisfeito



a agonia do que se crê eleito.



(resumo de 11 páginas de espírito contrafeito.)
aaaaah!!! a trovoada!! finalmente a trovoada!

a tão esperada trovoada.





daquelas poucas que te abanam a casa...

sexta-feira, 26 de junho de 2009

sinal sonoro

há uma barreira atravessada por cordas que cortam um horizonte sarapintado de navios

é isto que vejo quando o sonho me diz que a imaginação também sente


é claro que não é isto, a imagem é surpreendentemente mais mundana, menos imaginativa, mas os corpos que a compõem restabelecem cortes e concordâncias que julgava já esquecidos, e sendo só corpo a vibrar, a melodia quer arder tanto que dói, e se de símbolo trata, o que me diz parece tão impenetrável quanto potencialmente mortífero. de uma maneira ou de outra, a carne parece ser ainda a mesma, as casas também.

reconhecerás, desse lado da janela, o que me desperta?


quererás tu um dia ouvir a voz que te falhou lá atrás?

o se de uma estranha situação, cuidado de si per se, ou a nota entre dó e mi:

será que faço por habitar o domínio do inconfessável, ou é o domínio do inconfessável que faz por habitar em mim?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

auto-retrato II

no descanso da hora das cambalhotas musicais
é caso para apontar:


foram-se os dedos,
mas ficou o corpo todo

com as suas ruas me deito
dominando perfeitamente o desequilíbrio

dos seus escombros me ergo
lembrando redondamente o seu reduto

são os ossos que dominam
a carne
são os olhos

os meus olhos

os meus olhos separados
do meu ventre

este ritmo
este sopro
este suspiro

ainda
sempre

incandescente

terça-feira, 9 de junho de 2009

auto-retrato I

mais espantoso que o malho
o tralho
o corte ou a afonia

a cabal demolição do encosto cerebral
da casuística intelectual

afinal fizeste sempre de conta que este corpo não era o teu corpo

perna longa, pé comprido, olhos enormes

e braços de abraços longos, tão longos
parece que nem pertencem a este tempo, ao olhar de firmamento

a ausência de fim como tormento
pois que quando surge a rima
a aliteração é o alento

quinta-feira, 4 de junho de 2009

não nos subestimem.
somos amadores profissionais.
amamos por profissão.
é coisa que ninguém nos tira.
e a perfeição é isso mesmo: a tentativa passional, nunca passiva, de sermos verdadeiramente o que somos. sem sonos à mistura.
não nos confundam,
é por não sabermos o que fazemos que eventualmente o poderemos fazer melhor.
e o pior também conta.
aqui não há fregueses. não há vendas. nem retalhos. frangalhos, nem por isso. só trabalhos.
as marcas do soalho continuam tatuadas no meu pé direito. e sempre que o sol sobe ao pico, o linólio vem ao de cima outra vez, para lembrar o caminho. de inverno cala-se, de verão estende-se à sombra. mas o joelho esquerdo ainda pena pelos erros, certas cordas de voz também. a vizinhança intacta.
vou continuar a babar-me sobre o palco, para não chorar almofada dentro.
desbocada, não calada. amuada, também não.
vou brincando com as temperaturas.
não, não há lugar para o erro. só para a tentativa.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

recado deontológico

a voz das tias. voz da ana ainda.

o tom que espere, e que bata palminhas.

que a voz dela espera apenas a tua.

(queres mesmo desafinar a par, ó mar de ontem das noites de amanhã? a praia lá está. ainda. é que o melhor da espera é o conseguir ser musical. carnal, portanto. ou cabal. what else?... um bocadinho mais quer dizer precisamente isso.)

as aulas já ficaram para trás, meu Amor. há uma certa esquina que não nos volta a encontrar, e eu só te encontro a desafinar. e para bem dos meus pecados, de vez em quando, resta esta afonia. que palavra não te encerra. não me leva. nem nos cega.

(oxalá.)

o meu cavalo sempre foi alvo, e sempre foi branco. se o teu variou...



verdade é que ainda cá estou.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

She gambles.


but...


Who wins?...

sábado, 16 de maio de 2009

"...from a different angle, under a different light, so we can hopefully kinda see it almost for the first time..."

(jmk)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

não, não, sem sustos.
ofélia já me morreu, é preciso mudar de capítulo

jazem aqui ainda os despojos de outras guerras
mas convento já se ergueu
e o sarcasmo não matou

ferra-me apenas se te parecer descrente
e com cuidado



é bom sermos gelo em mão quente
a pingar sobre a relva

quarta-feira, 6 de maio de 2009

E agora, ao lado de numerosas lições de modéstia gravadas na vossa memória pelo vosso pai, inscrevei ainda esta máxima: que só o tempo revela o que vale um grupo de desconhecidos, todas as línguas estão sempre prontas a dizer mal dos estrangeiros e facilmente se inclinam a sujá-las com insinuações. Por isso peço que não me cubram de vergonha com essa beleza que sobre vós chama o olhar dos homens.
Não é fácil olhar o tenro fruto maduro: todos querem meter-lhe o dente, homens e animais, bem no sabeis, os monstros que voam e os monstros que andam sobre o solo. Cypris proclama a atracção dos corpos cheios de sumo. Todos os homens que passam pelas virgens de formas delicadas lhes volvem olhares de encantamento, vencidos no amor. Sabendo isso, guardai-vos de sofrer ofensas que até aqui só conseguistes evitar à custa de fadigas sem conto e lavrando com a quilha do nosso barco grande extensão de mar; não vamos agora cometer erros, que seriam a nossa vergonha e uma alegria para os nossos inimigos. Mas segui os conselhos do vosso pai: tende em mais alta conta a modéstia do que a vida.



Ésquilo, As Suplicantes

segunda-feira, 4 de maio de 2009

poema de quem não procura a rima e a encontra sempre

Sempre
mais tarde e um pouco mais longe

um pouco mais, algo mais, em torno, um contorno
sempre sempre sempre
morno

aliterações consumadas
no tempo futuro de um depois sempre ausente

e as mãos que não podiam ver
não podiam curar
porque isto nunca se tratou de um converter

o depois há-de trazer, wittgensteinianamente

o velho pois
nele contido desde o primeiríssimo verso

e sendo que a primavera chegou mais cedo








será que o verão nos encontra a tempo certo?

sábado, 2 de maio de 2009

a palavra, a tal, escondida no fundo da arca velha:

Acreditar.

domingo, 26 de abril de 2009

Eu, Teresa, me confesso.
De uma santa lascívia que me construiu estas paredes de onde parto até vós.
Eu, Teresa, me confesso.
De ter dominado a língua e com ela me ter dominado por deus.
Eu, Teresa, me confesso.
De ignorar os desígnios dos senhores da lei episcopal, de ignorar os receios de meu pai, e de me ter apaixonado por demais.
Eu, Teresa, me confesso.
De uma culpa inconfessável, pois a ela eu obedeço, e para chegar a ti, Senhor, muy grande terá que ser essa culpa. Muy grande terá tido que ser a falta, ainda que inconfessável, porque a ela não acedo em imagem nítida, como a vós, senhor, que eu vejo e ouço.
Eu, Teresa, me confesso de vaidade e de pouco nobre vigília.
E da pretensão de a vós querer chegar, com estes meus humanos e fêmeos sentidos, e uma voz cheia de febre, daquela febre, da qual a razão se parece por vezes ausentar.
Eu, Teresa, me confesso.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

la clé, la lettre, et l'éternuement.



j'ai besoin d'un ouragan, d'un orage:
aucune langue ne semble être à moi.
la pluie peut être la mienne,
le vent est le mien,
les sifflements...


mais la langue

la langue ne l'est jamais.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Numa terra em que pedro-procura-inês, não restam paredes para te encontrar.
Ainda assim, espero.

E a realidade assombra. Será ela o que nos separa?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

as minhas vozes todas, com todas as vozes tuas, quantas serão ao final da sinfonia?...

sábado, 11 de abril de 2009

I always dance like nobody's watching. Alone, I do not dance at all.

terça-feira, 7 de abril de 2009

au port.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Cinzento:

muito mais do que me restas: faltas-me.

Vermelha.

Tejo (parte última)

(...)


linha de fuga que perde o concreto

-não encontro o complemento indirecto nem o artigo definido-

mas aguardo as reticências
gosto de atrasar conclusões e de prolongar os silêncios


e a paranóia entra sem bater
senta-se no sofá da sala em silêncio e espera sem olhar para o relógio

(sinopse abrupta de uma narrativa interminável)

psicose estética, sublimação asséptica

os meus devaneios de criança cozinhados em lume brando


-correntes de menoridade mental-

esta civilização cresce oca
mandata a liberdade
coroa a insanidade
senta-se no jardim a ouvir o relato do jogo da guerra
e volta para casa a pensar na morte da bezerra da vizinha

tão serenos, tão obtusos
impassíveis nas vossas jaulas de cristal
na vossa modorra sensorial

-alento desaustinado-

prefiro o caos à vossa disciplina enfileirada
Prefiro o meu Coelho Branco, ainda que chegue sempre atrasado.



(2002)

quinta-feira, 26 de março de 2009

é estranho que ela - que nos seus tempos de circo se gabava de andar em cima de vidro sem se cortar - se tenha entretanto deixado ferir por uma ligeiríssima brisa.

segunda-feira, 23 de março de 2009

tirando o uso do saca-rolhas, agir será sempre falhar.

quinta-feira, 12 de março de 2009

a palavra ficou a descansar no meu ouvido. de repente, com um zumbido, voou.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


(queres voltar ao mesmo cais)





Para ser uma espera falta um pouco mais.


sábado, 21 de fevereiro de 2009

Nada te turbe,

Nada te espante,

Todo se pasa;

Dios no se muda.

La paciencia

Todo lo alcanza.

Quien a Dios tiene,

Nada le falta.

Sólo Dios basta.


(Sta.) Teresa d' Ávila

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

no borbulhar da sopa ontológica: se tudo o que de mim imana, mais ou menos rizomático, parece sempre avistar um fim, mas ainda não habitar dentro dele: possuir uma lógica ainda por determinar, mas ainda assim já percepcionada - ou pre-ceptionada - é porque há qualquer coisa de transcendente ligada a ela. se é deus, consciência colectiva, eterno retorno ou granito metafísico, não sei. mas uma não pode excluir a outra por completo. se o véu implica o outro lado, o caminho de uma imanência a outra, assumimos então que esse desvelar - momento absolutamente fugaz, mas mesmo assim capaz de uma actualização - se encontra no domínio da transcendência. Resumindo:

If I say it, will you mean it?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

para Eva, a maçã. (e para a Branca de Neve.)
- ópio para o príncipe -
para a pequena, os chocolates.
- ao filósofo, a cicuta -
o rio à sua Ofélia,
e um quarto de Virginia.



Ana, vais cair!


(a nós, os m&m's)


Réveillez-vous, Beatrice!

(mesmo que para isso nem sequer tenhas que chegar a nascer)

sábado, 31 de janeiro de 2009

i can think of an acquired taste in attempt to soothe these fluttered nerves. some impositive forms of translating body consciousness into some kind of burlesque, dandy situations: luxurious dreams gone dry. flesh for the mind, the cells demand, dripping desire through these reminiscent pores. some pages ago, the book mentioned something unbearably green. can't really remember what it was, just that it was huge, slow, and green. (all this rain, and no grey within sight.) i can't keep track of numbers anymore. i can't really tell when it begun. for all i sense, it has always... how many omission points can we repeat in a row? is it not a sin? is it not a waste?
there is Life beyond the garden, a strenght yet to be seen. and the laughter. loud as never before.
the lake is still inviolate, white and frozen, just waiting for the heat of a certain summer.

sábado, 24 de janeiro de 2009

certas nocturnidades que se passeiam atreladas a vícios velhos e esgares futuros, mais tarde ou mais cedo, pela sua natureza granítica, pelo seu grau de constância demorada, vingarão precisamente pela esterilidade. essa é por vezes mais drástica do que absoluta, mais nervosa do que abafada. e mais geral do que alheia. e daí o grito. entretanto, só murmúrios e suspiros, congelados num tempo mais claro, mais arejado. (oxalá os joelhos aguentem o peso destes dias.)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

corpo-sem-órgãos por demais febril. por demais orgânico.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

pour le roi, le dieu est gardé. pour la reine, la déesse a pleuré. attendant toujours, par votre côté: oui, elle a besoin de votre épée. pour désirer ardemment, pour jamais arrêté. tout est boue sur la terre. vous avez toujours été le roi, mon cher, qu'avez-vous pensé? que le ciel tombait?
há dias mais sonoros que outros. há ruídos mais claros, neves cinzentas, juízos descalços. tornei-me permeável à rua lá de fora enquanto cuido da cidade cá dentro. e nada mais me pode demover além do sono que tomei emprestado ao mundo. mas até esse se acomoda ao canto enquanto espera a altura certa de se evadir, para depois voltar. os nossos argumentos são sempre teóricos, tanta fluência e sobra apenas um abismo. há dias de jejum e de festins telúricos, e há dias que se deixam enganar.